75 dias que prometem muito – Por Arnaldo Luiz Corrêa Cana
Há algum tempo atrás comentamos aqui sobre o quão atrativo estavam os spreads de NY. Dissemos que não entendíamos como o desconto entre dois meses de vencimento, no caso o maio/2015 em relação ao outubro/2015, que em determinado ponto chegou a 17% ao ano equivalente, não atraía os consumidores finais uma vez que o custo de carregamento para eles deveria ser bem menor do estava mostrando o mercado. Assim, faria muito sentido que os compradores/consumidores antecipassem a compra de suas necessidades de matéria prima nos meses seguintes, pois o custo de carregá-la mostrado na tela de NY, incorporando ai o custo financeiro e de armazenagem, certamente era bem mais alto do que custaria efetivamente para eles.
Com essa perspectiva se desenhando lá atrás - aqui considerando que a estratégia tenha sido elaborada/executada em janeiro e fevereiro - podemos tentar entender os meandros no processo decisório de um recebimento recorde de açúcar. No caso específico da semana passada, não um comprador/consumidor final, mas uma trading que se antecipou e aproveitou a vantagem oferecida pelo mercado. O spread maio/julho, por exemplo, negociou na média a 11% ao ano no período citado, mas chegou a 13%. O maio/outubro, no mesmo período, ficou em 12% na média, mas chegou a 17%. Isso sem falar no que se pode agregar de valor usando opções para fazer essa vantagem aumentar embora incorrendo em mais riscos administráveis.
Enfim, pense qual o pior cenário para a trading recebedora: reentregar o açúcar em julho ou em outubro cujo custo total para eles, levando em consideração o spread médio do maio/julho ou do maio/outubro, mesmo que nas respectivas reentregas o novo recebedor nomeie os navios no limite de prazo, será em boa parte compensado pela diferença no custo do dinheiro vis-à-vis o spread que conseguiram do mercado. É claro que aqui para simplificação do raciocínio assumimos que a trading recebedora tem flexibilidade nos livros que permite a ela realocar diversas origens para diversos destinos.
Por outro lado, as oportunidades de ganho por parte da trading asiática são muito maiores. A nomeação imediata de vários navios logo na primeira semana de entrega dão alguns sinais ao mercado e, principalmente, àqueles que porventura tenham se comprometido a entregar-lhes o açúcar sem ainda tê-los em casa. O prêmio para embarque imediato está em 15 pontos e eventuais problemas no ritmo da produção, ou greve dos caminhoneiros, ou quaisquer outros fatores exógenos vão afetar o prêmio muito antes de afetar o mercado futuro e aí, mais uma vez, a trading vai contar seus gordos lucros.
As conversas deverão ser animadíssimas na próxima semana aqui em NY, com as agendas lotadas nos diversos eventos concorridos este ano. Evidente está que os humores continuam ruins, principalmente com os graves problemas financeiros que afetam usinas de todos os matizes. Dinheiro curto e a necessidade premente de renovação de empréstimos e obtenção de dinheiro novo vão influenciar a negociação de prêmios/descontos na exportação. Vejo pouco risco de insucesso no recebimento volumoso de açúcar. Até mesmo os fundos estão indiretamente dando suporte à operação: o baixo volume que eles estão vendidos (pode ser até que estejam zerados), após terem recomprado boa parte de suas posições vendidas a descoberto que devem ter lhes rendido lucro milhões de dólares, não parecem encorajados a manter uma posição vendida a descoberto nos níveis atuais. Se tiverem que voltar ao mercado no volume recente que detinham, certamente o farão na ponta comprada.
Como diria um amigo meu de São Carlos, “se houver uma conjuminância de eventos”, ou seja, se todos esses fatos ocorrerem de forma coletiva, ai nós poderemos ver o mercado em níveis bem mais altos do que os atuais.
O mercado futuro em NY fechou esta sexta-feira com o vencimento julho cotado a 13,42 centavos de dólar por libra-peso,uma alta de 51 pontos na semana, ou cerca de 11 dólar por tonelada. Os demais meses de vencimento na bolsa fecharam com variações positivas entre 29 e 59 pontos, ou de 6 a 13 dólares por tonelada. No entanto, é bom que se diga, o fechamento em reais por tonelada ficou em 919 FOB Santos.
O bom desempenho do etanol hidratado deve reforçar a arbitragem entre o açúcar e o etanol numa conta que, se muito favorável ao segundo, e seguindo as constrições creditícias acima mencionadas pode diminuir a oferta de açúcar mais do que previamente assumida pelo mercado. Como disse um leitor está semana, teremos 75 dias muito interessantes.
Para aqueles que vieram para NY para a semana do açúcar, façam uma viagem segura e tenham bons eventos e bons negócios
Arnaldo Luiz Corrêa é diretor da Archer Consulting - Assessoria em Mercados de Futuros, Opções e Derivativos Ltda.