No início de junho, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou uma resolução incentivando a venda direta de etanol aos postos de combustíveis. Dadas as consequências de larga escala no mercado de combustíveis, a ideia da comercialização de etanol hidratado pelas usinas diretamente aos postos revendedores precisa ser analisada em detalhes para evitar uma desorganização no mercado com consequências graves pra os consumidores.
É preciso antes de tudo evitar um efeito contrário ao desejado no programa RenovaBio, de aumento de competitividade e segurança de suprimento dos combustíveis. Afinal, o modelo atual de abastecimento nacional de combustíveis, definido pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), tem por configuração a divisão de responsabilidades entre produção, distribuição e revenda.
De fato, pela regulação existente, já é possível à usina produtora de etanol vender diretamente ao posto revendedor, bastando apenas criar uma distribuidora. Entretanto, um dos argumentos utilizados para defender a venda direta e que as regras exigidas pela a ANP para a abertura de uma distribuidora são uma barreira a entrada nesse segmento na medida que são difíceis e demoradas de serem cumpridas.
Para superar essa barreira a ideia seria a criação da figura da Distribuidora Vinculada ao Produtor, para comercializar etanol hidratado, com menos exigências do que as atuais e com redução de 70% nos custos de abertura. Os passos necessários no sentido de implementar a Distribuidora Vinculada exigiria que a ANP adaptasse três resoluções: RANP 58/14, RANP 67/11 e a RANP 43/09.
As principais vantagens da criação da Distribuidora Vinculada são: (a) Mudança imediata. Isto é, a distribuidora vinculada consegue ser operacionalizada de forma bastante rápida pela ANP, sem precisar de Projetos de Lei ou outro instrumento jurídico; (b) Não provoca nenhum impacto ao RenovaBio, mantendo as distribuidoras como parte obrigada do programa, o que mitiga riscos de choque de oferta e suprimento de combustíveis; (c) Não necessita de nenhum ajuste no Pis/Cofins e não necessita nenhum ajuste nos 27 Regulamentos do ICMS existentes para os estados. A manutenção da legislação tributária alivia preocupações com judicialização das mudanças.
Podemos comparar as exigências atuais para a abertura de uma distribuidora com as recomendações de simplificação com a introdução do agente econômico Distribuidor Vinculado.
Atualmente, uma regra para abertura de distribuidora exige um Capital Social mínimo de R$ 4.500.000 (quatro milhões e quinhentos mil reais), um valor às vezes muito alto para uma usina de etanol que pode estar endividada ou sem liquidez.
A recomendação da proposta do Distribuidor Vinculado é relaxar a exigência de capital social mínimo visto que a distribuidora vinculada será subsidiaria integral da usina produtora.
Outra regra que pode ser flexibilizada é de capacidade mínima de 750 m³ (setecentos e cinquenta metros cúbicos) de armazenamento de combustíveis. A exigência de tancagem mínima pode ser até eliminada visto que o produtor já possui tancagem compatível com sua produção.
A exigência de comprovação de qualificação jurídica e regularidade fiscal é facilitada ao produtor ao abrir uma subsidiária de Distribuidora Vinculada que controla, com estabelecimento desta no mesmo endereço da usina produtora, e cujo Objeto Social seja a venda de seu próprio etanol hidratado para postos de abastecimento.
Nada impede que um produtor se torne um distribuidor no atual modelo com as regras existentes e assim forneça seu produto direto aos postos revendedores varejistas de combustíveis. Ainda assim, a introdução da opção pela Distribuidora Vinculada ao produtor é um recurso que a ANP pode efetuar de pronto e que vai auxiliar em alto grau a atualização do atual modelo para uma expansão do uso de biocombustíveis na matriz.
Com uma solução mais simples, é possível evitar uma decisão que altere profundamente o modelo existente e desestabilize a cadeia do combustível. A distribuição de etanol hidratado, como ponto central do RenovaBio, carece de uma política energética que conjugue expansão da oferta e da competitividade com previsibilidade e regularidade de suprimento.
*Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE).