Ajuste, mas não só - Editorial Folha de S. Paulo
Apesar de essencial, o ajuste em curso nas finanças nacionais não vai, por si só, pôr o Brasil no caminho do crescimento em ritmo acelerado o bastante para dar conta de nossa relativa pobreza. Para tanto, é preciso implementar mudanças institucionais na economia --realizar reformas, em outras palavras.
Um programa dessa natureza, contudo, não tem sentido incontroverso, embora muitos dos empecilhos ao progresso do país sejam objeto de um quase consenso. Mais do que um plano para o futuro próximo e mesmo distante, tal busca por reformas talvez seja necessária até para tornar politicamente viável o ajuste.
O reequilíbrio mesmo parcial das contas públicas produzirá efeitos colaterais daninhos, ao menos no curto prazo. Seus primeiros impactos já se fazem sentir nos preços da energia; sobrevirão outros.
Começa a se ouvir o protesto organizado de empresários e trabalhadores. O prestígio da presidente Dilma Rousseff (PT) tende assim a se degradar ainda mais, com o que se esgarçará a sua já tênue rede de sustentação política.
A falta de perspectiva de alívio no horizonte próximo, aliada a um razoável ceticismo quanto à convicção governamental de que as mudanças são mesmo imperativas e à consciência do prejuízo causado por uma década de descaso, provoca um desalento que, por si só, pode aprofundar a recessão.
O desânimo, ademais, tende a solapar o apoio ao plano de reparos básicos das finanças públicas, o ajuste fiscal. Uma retração maior da atividade econômica, por sua vez, pode tornar inviáveis as metas de arrecadação do governo, o que demandaria mais cortes de gastos ou causaria mais desconfiança.
Compreende-se, assim, quão grande é o risco de degradação em espiral, de crises que se somam e se realimentam.
Em suma, a impressão de que um programa recessivo vai, ao fim e ao cabo, não mais do que conduzir a economia a um ritmo medíocre de crescimento deve gerar desconfiança persistente e conter a propensão a investir no Brasil.
A ausência de um plano de mudanças que congregue o país deixará o campo aberto apenas à crítica e à resistência ao ajuste, à defesa de interesses setoriais e imediatos.
Um modo de atenuar os riscos desse círculo vicioso consistiria em embutir a proposta de ajuste em um novo programa de governo.
É fácil perceber, porém, a dificuldade que o Planalto teria em abraçar tal sugestão. Seria necessário que a presidente Dilma Rousseff renunciasse na prática às convicções que pautaram seus atos de governo até que a crise incontornável a deixasse sem alternativa.
Ainda que tenha cedido, Dilma não demonstrou inclinação nem mesmo para discutir um projeto de mudanças de maior amplitude. Seu governo está paralisado, incapaz de levar adiante inclusive os compromissos eleitorais que não renegou ou que não sejam irrealizáveis, dados a penúria financeira e o seu isolamento político.
A inapetência e a inépcia ficaram evidentes no caso da Petrobras. A presidente, por teimosia ideológica ou pessoal, tornou-se um obstáculo à recuperação da empresa, dificultando alterações urgentes e elementares. Devido às imposições da realidade, as emendas até são feitas, mas de modo desorganizado.
A Petrobras corta investimentos e planeja vender parte do patrimônio, pois seu endividamento chegou a nível crítico. O programa de conteúdo nacional das compras, determinado pelo governo, se desfaz na prática: além de caro e ineficiente, tornou-se insustentável porque as fornecedoras afundam em dificuldades financeiras causadas pelo desarranjo da estatal.
Os planos de Dilma Rousseff para a Petrobras se esboroaram.
Sintomático, crucial e urgente, o problema da estatal é apenas um a exigir reformas de fundo. Há muito mais a a ser feito.
É preciso limitar formalmente o crescimento do gasto público, mesmo passada a fase crítica do ajuste. Também é preciso elaborar um plano radical de desmonte da burocracia sufocante e de simplificação da tributação excessiva.
Não se deixe de mencionar o descaso com a política de comércio exterior e o protecionismo, que isolaram a indústria em ineficiência provinciana. Ou a tentativa de tabelar preços e lucros, que fizeram empacar as concessões e contribuíram para a ruína do setor elétrico.
Diversas instituições da economia brasileira, enfim, são fósseis de mais de meio século, que atravessaram sem reformas.
Caso lhe tenha restado alguma visão de futuro, conviria que Dilma Rousseff tentasse congregar as forças sociais e políticas do país em torno de um programa que fortaleça as bases econômicas do ajuste, crie esperança e proporcione estabilidade política para que a transição prossiga sem maiores traumas.
Resta saber se a presidente está consciente das tarefas formidáveis que tem diante de si.