O renomado cientista químico David King, representante inglês na Conferência Climática de Paris, em dezembro próximo, tem vindo ao Brasil para subsidiar estudos oficiais sobre como reverter a crise climática provocada pelo aquecimento global. Numa entrevista recente, disse textualmente que, para evitar a catástrofe que se avizinha, é preciso tomar duas medidas fundamentais: diminuir gradativamente o uso dos combustíveis fósseis e reflorestar o que for possível de áreas desmatadas. Indiscutivelmente, os dois grandes vilões da poluição global. São duas medidas que levam tempo para dar resultado, pois muitos países no mundo dependem fortemente do carvão mineral, como Estados Unidos, China e países da Europa. Mas King adverte que nenhum país estará livre de tomar iniciativas em prol do equilíbrio ambiental da Terra. Aliás, o presidente da maior fabricante de automóveis do mundo sentenciou que, até 2050, os motores a combustão de gasolina e diesel devem acabar. Essas manifestações me animam a acreditar que, ao buscar saídas para a crise climática, o Brasil pode reencontrar o caminho da autossuficiência energética. Como empresário da mesma geração de David King, desde criança acredito que o Brasil não sabe aproveitar sua fantástica biodiversidade. Hoje em dia, penso que poderíamos fazer disso uma exemplar fonte de renda, no sentido de custear a manutenção, a fiscalização e as pesquisas sobre nossos recursos naturais. Não me refiro apenas à Amazônia – o principal acervo –, mas a todas as nossas reservas de vegetação nativa, às florestas plantadas, aos canaviais, aos cafezais, aos laranjais, aos seringais e a tantas outras culturas, como abacate, manga, etc. São milhões de hectares de superfícies verdes efetuando fotossíntese de forma perene, como em nenhum outro país do mundo. Nós já deveríamos ter submetido essa proposta aos organismos internacionais, alicerçado num estudo sério, com números reais e amparados por um planejamento estratégico de longo prazo. Pela forma como se fazem as coisas, seria muito improvável que fôssemos atendidos. Mas, se estivermos, de fato, bem embasados, poderemos pleitear uma compensação dos demais países, que têm muito menos possibilidade do que nós para reverter a situação alarmante em que nos encontramos. Isso para tentarmos evitar de sermos explorados, pelo simples fato de termos a maior floresta nativa preservada, a maior biodiversidade, os maiores recursos hídricos, etc. Para lograrmos sucesso, precisamos tão somente compilar os estudos já existentes e apresentá-los de uma forma inteligente, visando alcançar metas exequíveis em diversas áreas, como na de energia eólica, que saiu recentemente da estaca zero, e na fotovoltaica, que tardiamente está começando a crescer. Sem grande esforço, poderemos chegar ao patamar de 65% renovável. No momento, caímos para quase 40%, depois de termos chegado a quase 50%. Infelizmente, a síndrome da abundância alimentou o vício do desperdício. Por falta de sensibilidade política, má-fé ou burrice, desprezamos o ideal da independência energética ao negligenciar oportunidades construídas por várias gerações de brasileiros. Nos últimos anos, por exemplo, o governo desmanchou o sistema energético brasileiro por meio de um duplo equívoco: 1. uma política errática de recursos hídricos, comprometendo a eficiência da Eletrobras com a subversão das tarifas de eletricidade e a construção de usinas hidrelétricas sem reservatórios de água, o que aumentou dramaticamente nossa vulnerabilidade em face das mudanças climáticas; 2. uma gestão temerária dos combustíveis líquidos, onerando a Petrobras com a aposta no pré-sal e lançando o setor sucroenergético a um beco sem saída. Numa contradição gritante, enquanto a maior parte do mundo se empenha em reduzir a emissão de gases poluentes, o Brasil deu marcha a ré no maior programa mundial de produção e consumo de um combustível renovável – o Proálcool, criado em 1975. Das 420 destilarias existentes em 2010, uma centena fechou ou está na UTI. Depois de associar-se a diversos projetos de biodiesel e a três ou quatro de etanol, a Petrobras está pronta para deixar o setor, sem consideração aos seus notórios benefícios sociais, ambientais e econômicos. Não custa listá-los:
redução da emissão de gases poluentes;
sequestro de carbono, mais do que qualquer floresta;
combustível neutro em emissões;
substituição de importações de petróleo, gerando uma fantástica economia de divisas;
produção de energia elétrica complementar, com a queima de bagaço;
evolução trabalhista graças à eliminação do corte manual de cana;
avanço ecológico, com o fim da queima da cana na véspera da colheita.
A lista poderia ser acrescida de itens específicos, como os US$ 320 bilhões economizados pela não importação de petróleo e gasolina, desde sua implementação, ou de itens gerais, como a geração de empregos, o desenvolvimento de tecnologia agrícola e industrial, a exportação de equipamentos e serviços, entre outros, que provam o quanto o etanol é sustentável. Menos para o governo, que jogou fora a criança com a água do banho. Na primeira quinzena de outubro passado, discursando na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, a presidente do Brasil prometeu reflorestar 12 milhões de hectares na Amazônia. Muito bem e mãos à obra. Sem esquecer que sustentabilidade não se faz com discursos. Maurílio Biagi Filho - Presidente da Maubisa