Movimento contrasta com trajetória de cientistas brasileiros que passaram a buscar cada vez mais oportunidades no exterior
Em 2020, a bióloga Keini Dressano já morava havia cinco anos e meio em San Diego, na Califórnia, onde fez seu pós-doutorado e tinha uma carreira acadêmica promissora, assim como seu companheiro, com possibilidade até de se candidatarem ao “green card”, quando surgiu uma opção para ela voltar ao Brasil para trabalhar com pesquisa. Diferentemente de muitos cientistas brasileiros, Dressano decidiu largar a carreira acadêmica no exterior e voltar ao país natal.
A oportunidade era para trabalhar no Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) em Piracicaba, em São Paulo, como pesquisadora pleno na área de biotecnologia.
A empresa — a maior organização privada com fins lucrativos voltada à pesquisa científica no país — na época já havia dado seus primeiros passos no desenvolvimento de variedades transgênicas da cana, uma inovação global, e vinha aumentando sua prospecção por novos “cérebros”.
"Fomos eu e meu marido para os Estados Unidos com a intenção de voltar um dia. De ter uma experiência, nos desenvolvermos, crescer profissionalmente, e voltar ao Brasil e aplicar o conhecimento aqui”, conta a pesquisadora. A bióloga orientou parte importante de sua pesquisa à genética molecular de plantas — especialmente o milho — e teve publicações de alto impacto.
Mas foi sua experiência de pesquisa com moléculas que medem a defesa das plantas contra patógenos e insetos que a credenciou a conquistar uma vaga no CTC no Brasil.
Dressano não foi a única cientista brasileira que a empresa repatriou nos últimos anos. Três meses depois que a bióloga ingressou na empresa, seu companheiro também conseguiu uma oportunidade lá como pesquisador.
O Centro de Tecnologia Canavieira não informa quantos cientistas já repatriou até o momento, mas tem no seu quadro de funcionários uma participação elevada de pesquisadores com histórico acadêmico.
Dos 263 empregados que trabalham diretamente com pesquisa no CTC — seja no laboratório de Piracicaba, seja no de Saint Louis, no Missouri, nos Estados Unidos —, 19% têm título de doutorado e 16%, mestrado ou alguma outra pós-graduação, o que significa que 35% tiveram experiência acadêmica.
O movimento contrasta com a trajetória dos cientistas brasileiros na última década, que passaram a buscar cada vez mais oportunidades no exterior diante das condições adversas para o desenvolvimento de pesquisa no Brasil. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) não tem uma estimativa própria de quantos pesquisadores nacionais estão atualmente trabalhando e estudando no exterior.
Segundo a consultoria jurídica Immigration Law, que assessora brasileiros interessados em migar aos EUA, a categoria de professores, pesquisadores e cientistas foi a sétima que mais procurou a empresa para migrar ao solo americano entre janeiro a maio deste ano.
Em 2023, um número recorde de brasileiros (11.751) recebeu os vistos EB-1 e EB-2 dos EUA, que são destinados a profissionais com habilidades ou conhecimentos “acima da média” e com nível acadêmico avançado. Atualmente, o Brasil é o quinto país estrangeiro com mais alunos matriculados nas universidades americanas. Os dados dizem respeito à ida de cientistas brasileiros aos EUA, mas também há uma migração para países europeus.
A “fuga de cérebros” preocupa tanto o governo que o MCTI lançou, em abril, a iniciativa Conhecimento Brasil para atrair pesquisadores a universidades e empresas brasileiras com a concessão de bolsas para mestres e doutores. A Pasta também planeja incentivos para empresas com faturamento acima de R$ 90 milhões que repatriarem pesquisadores brasileiros.
O CTC se enquadraria no recorte, já que teve faturamento de R$ 382 milhões na última safra 2023/24. Mas, mesmo sem incentivo, a companhia vem contratando outros pesquisadores brasileiros que moram no exterior, como é o caso de Claudio Fernandes, formado em agronomia na Universidade de Lavras.
Tal como Dressano e tantos outros pesquisadores brasileiros, sua experiência no exterior nunca foi um objetivo para o resto da vida, mas uma oportunidade de crescimento e até mesmo diante das dificuldades de encontrar espaço para atuar no Brasil.
Depois de terminar seu doutorado-sanduíche na Flórida, Fernandes voltou ao Brasil e defendeu a tese. “Mas não consegui nenhuma oportunidade no Brasil e acabei voltando para fazer pós-doutorado na Universidade da Flórida”, conta.
Durante sua segunda experiência na Flórida, ele chegou a participar de um processo seletivo para se tornar professor, quando foi então chamado para trabalhar no CTC.
Apesar de ter desenvolvido suas pesquisas fora da cultura da cana — como em batata, braquiária e alfafa —, sua experiência ampla com seleção fenotípica, seleção genômica e modelos estatísticos para melhoramento de plantas o credenciou a entrar na empresa brasileira. “Eu não queria voltar só por voltar ao Brasil, eu queria trabalhar com pesquisa no Brasil. E o CTC foi uma porta. Estou muito feliz de estar fazendo pesquisa no meu país”, afirma Fernandes.
Diferentemente do agrônomo, o pesquisador Fernando Correr sempre dedicou sua atividade acadêmica a pesquisas sobre cana, mas ele também encontrou muitas oportunidades no exterior. Formado em biotecnologia na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Correr desenvolveu na Universidade de Queensland, na Austrália, pesquisas na área de tecnologia molecular da cana, e na Universidade de Montana, nos EUA, trabalhou com tecnologias ômicas e dados de imagens com outras culturas que também são poliploides complexos (com maiores possibilidades de combinações entre cromossomos) como o trigo.
Como Fernandes, durante seu pós-doutorado Correr também passou a procurar por posições fixas. “Comecei a aplicar para vagas, mas não encontrava nada no Brasil. Então comecei a aplicar por vagas lá, e já estava em processo seletivo na universidade quando o CTC anunciou a vaga”, conta. Atualmente, os dois pesquisadores trabalham no projeto do CTC de “forward breeding”, que envolve melhoramento genético convencional e transgenia.
Tanto Dressano quanto Fernandes e Correr não demonstram interesse em voltar ao exterior. “Só penso em morar fora do Brasil na aposentadoria”, afirma a bióloga. Correr, por sua vez, que viveu na cidade de Bozeman, não tem saudade do frio que lá fazia. “Não tenho pretensão alguma de voltar a morar fora, ao menos não nos próximos anos.”
Globo Rural