O mercado de açúcar encerrou a sexta-feira cotado a 12.60 centavos de dólar por libra-peso, após uma semana em que pudemos observar o nada em sua plenitude. A movimentação do mercado fica por conta dos spreads e de noticias requentadas ou adaptadas ao gosto do freguês. Fico solidário com esses jornalistas de agências noticiosas obrigados a escrever todo o dia sobre o nada.
A falta de chuvas no principal cinturão canavieiro do país começa a preocupar a área agrícola das usinas ao mesmo tempo que seus gerentes relutam em admitir para a alta direção da empresa que uma expressiva redução na disponibilidade de cana é iminente. Quem percorreu a região recentemente percebeu que, em muitos canaviais, a cana está estressada pela falta de água apesar das boas chuvas ocorridas em novembro. O nível pluviométrico observado no recém findado mês janeiro foi preocupante. Regiões como Ribeirão Preto, Rio Preto e Jaboticabal tiveram menos de 35% do nível de janeiro de 2018. Uberaba e Tupaciguara, ambas no estado de Minas Gerais, receberam menos de 30% da chuva do ano anterior. Os gerentes agrícolas coçam a cabeça e depositam esperanças nas chuvas que são aguardadas na semana que se inicia.
Canavial estressado por falta de chuva, combinado com a expressiva diminuição dos tratos culturais, por conta de um apertado fluxo de caixa – decorrente de um ano difícil para a comercialização de açúcar – são elementos infalíveis para a queda da produtividade. Espera-se, portanto, uma ATR menor para a safra que começa em março (para as usinas que demandam recursos financeiros mais prementes) e abril (para as que estão com a casa arrumada). Menos cana para moer põe em dúvida a real disponibilidade de açúcar a ser comercializado/fixado contra o contrato de NY com vencimento para maio/2019. É possível que o volume disponível no físico seja surpreendentemente reduzido com claros efeitos na negociação do spread maio/julho. Vale ficar atento.
Se do lado da oferta a situação é desconfortável, do lado da demanda os ventos sopram para um aumento vigoroso no consumo, tanto para o açúcar no mercado doméstico quanto para o etanol. E os estoques de passagem tanto de um produto como o de outro estão bastante estreitos.
O licenciamento de veículos leves em 2018 atingiu 2.46 milhões de unidades, um acréscimo revigorante de 12% em relação ao ano anterior. Estima-se que 2019, dada a expectativa de recuperação da economia brasileira, mais 2.7 milhões de unidades sejam licenciadas. Isso equivale a dizer que no final do corrente ano teremos, já descontada a taxa de sucateamento, uma frota adicional de 3.5 milhões de unidades que, consomem, segundo a BioAgência, 1,419 litros de combustíveis por ano.
Além desses novos entrantes, o consumidor que puxou o freio de mão na hora de abastecer o tanque do seu carro nos postos de combustíveis, assustado com os altos preços da gasolina na segunda metade de 2018, vai lentamente retornando ao consumo observado anteriormente a esse evento, na medida que os postos reduzem os preços em linha com a paridade internacional. Assim, é bastante razoável considerar que durante este ano teremos um aumento no consumo ciclo Otto entre 5 e 6% em relação ao ano passado. A boa notícia é que a fatia de mercado ganha pelo hidratado por força de preços mais competitivos do que os da gasolina dificilmente migrará de volta para ela.
As indústrias alimentícias e de bebidas estão mais otimistas como a perspectiva de melhora na renda. O reflexo disso começará a ser sentido em breve e, em nossa opinião, o açúcar no mercado interno negociará a prêmio sobre NY. Deverão ficar atentas, no entanto, para eventuais oportunidades de fixação da matéria prima.
O quadro geral do lado do consumo para este ano, como se nota, é promissor. É muito evidente que no cenário internacional teremos um desequilíbrio entre oferta e demanda que será agravado quando os números de produção de Índia, Tailândia e União Europeia confirmarem a redução de disponibilidade de açúcar muito maior do que o mercado previra.
O que pode mudar esse quadro construtivo é o comportamento errático do petróleo combinado ou não com um eventual otimismo na economia brasileira que sobrevalorize o real. Nesse caso, teríamos um cenário muito ruim para as usinas, resultando em gasolina mais baixa em reais e um aumento na disponibilidade de açúcar.
Em relação ao petróleo e a abrupta queda de 40% no mercado internacional em apenas três meses, tomo emprestado um trecho do artigo do economista José Roberto Mendonça de Barros publicado na edição de domingo passado no jornal O Estado de São Paulo. Mestre em explicar coisas complicadas de maneira simples, o professor resumiu: “A volatilidade dos mercados foi ensinando aos produtores de petróleo a travar seus resultados, comprando opções de venda, quando as cotações atingem níveis altos, e, especialmente, se existirem dúvidas quanto à sua manutenção, o que ocorreu no caso do petróleo pela revisão do futuro do crescimento global. Assim, produtores de petróleo estavam comprados e agentes do mercado financeiro vendidos. Em mercados de commodities a reversão das expectativas leva à liquidação das opções a qualquer preço, o que faz o mercado afundar. Depois de zeradas as posições, a calma volta e os preços podem até subir um pouco, o que também ocorreu nesse caso. Haja coração, dinheiro para não quebrar e a dolorosa lembrança que no mercado não tem doutor”. Disse tudo.
Num cenário de como o acima descrito, uma alternativa para as usinas seria comprar um seguro contra a queda do preço do barril do petróleo em reais.
Um usineiro, católico devoto, esteve recentemente no Vaticano. Dizem que foi pedir ao Papa Francisco que intercedesse junto ao Criador para que os preços do açúcar melhorassem. O fato é que ele estava lá, em audiência com o Supremo Pontífice, convite pessoal e intransferível, em anfiteatro com outras centenas de pessoas. Vez por outra as câmeras internas do recinto mostravam no telão a manifestação de exultação dos fiéis, em êxtase pela presença papal. Local para reflexão, perdão aos inimigos, orações e penitência, não é verdade? Mais ou menos. Ocorre que na fila posterior onde se sentara o usineiro, uma mulher vestindo camisa vermelha ameaçou abrir um cartaz com a inscrição “Lula Livre” para que aparecesse no telão, o que foi imediatamente impedida pelo zeloso usineiro, após um acalorado entrevero. Não sei se ele teve tempo de terminar as orações, mas temo pelo mercado de açúcar caso as orações não tenham chegado ao Pai Celestial.