Para o diplomata, ex-diretor da OMC e consultor da Abag, Brasil e Estados Unidos têm de encontrar solução para vendas de açúcar e etanol
Com a experiência de quem esteve à frente de discussões sobre as relações comerciais entre países durante anos, Roberto Azevêdo, ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), é taxativo: Brasil e Estados Unidos, os dois maiores exportadores agrícolas do mundo, precisam encontrar uma solução para suas discordâncias no comércio de açúcar e etanol. O risco, se isso não acontecer, é que haja um abalo nas relações comerciais entre os dois países, afirma o diplomata, que hoje é consultor internacional da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).
Washington impõe cotas anuais para importação de açúcar, que afetam países como o Brasil, maior fornecedor global da commodity. O governo brasileiro, por sua vez, aplica uma tarifa de 18% sobre o etanol de milho proveniente dos EUA, medida que os americanos consideram protecionista.
Em entrevista à reportagem , Azevêdo conta que esteve recentemente em Washington e tratou do tema com representantes do setor privado e autoridades do alto escalão do governo americano. “Pude detectar com muita clareza um desconforto nos Estados Unidos com a questão do etanol”, relata.
Esse descontentamento, aliás, não é novidade, afirma Azevêdo. “Penso que todos no Brasil que conhecem o tema entendem a necessidade de encontrarmos uma forma de tratar do assunto, que impeça uma deterioração das relações comerciais, sobretudo no setor agrícola [entre os dois países]”, enfatiza ele.
Na visão do diplomata, essa e outras pautas não vão avançar sem que haja um bom clima de negociação bilateral. “Acredito que as autoridades brasileiras estão buscando caminhos para que essa conversa seja mais fluida”, diz.
Em março deste ano, uma comitiva do governo brasileiro teve conversas com autoridades americanas em Washington. Um dos assuntos que trataram nesses encontros foi a redução das barreiras ao açúcar, em troca de uma possível liberação do etanol de milho dos EUA no Brasil. No entanto, essas negociações ainda não tiveram sucesso.
Negociações com os EUA
Segundo o ex-diretor da OMC, os debates devem continuar independentemente de quem ocupar a Casa Branca a partir do próximo ano. E assim como nas negociações comerciais, a agenda climática também tende a continuar em qualquer gestão.
“Independentemente de quem esteja à frente da nova administração americana, acho que a agenda das mudanças climáticas e a agenda ambiental não vão desaparecer, porque essa é uma agenda que já se globalizou, está assimilada pelo setor produtivo”, avalia. “Pode se ajustar mais para um lado ou para o outro, mas é praticamente impossível que uma administração possa ignorar essa realidade, que o mercado já abraçou”.
Mudanças climáticas
Na corrida contra as mudanças climáticas e pela transição energética, um ponto comum entre Brasil, Estados Unidos e várias outras nações pelo mundo é a busca por soluções factíveis para os desafios. Para Azevêdo, o agronegócio e o governo brasileiro têm potencial para liderar as discussões internacionais sobre o tema, posição que, hoje, a União Europeia (UE) ocupa.
Segundo ele, não é surpresa que os europeus tenham assumido esse papel, uma vez que as discussões sobre o meio ambiente ganharam força no bloco. Mas as regras e legislações ambientais criadas na UE afetaram a produtividade dos agricultores do bloco, observa. E isso teve consequências. Os europeus “passaram a adotar medidas na fronteira, aumentando o custo para o estrangeiro. Isso afeta diretamente as condições do comércio internacional”, afirma.
Um exemplo é a lei antidesmate, que entrará em vigor em 30 de dezembro. A regra exige rastreabilidade de produtos e proibirá a UE de importar produtos ligados a desmatamento.
“Agora, o Brasil, assim como o resto do mundo, está em um processo de buscar recuperar o terreno perdido ao longo do tempo na reflexão sobre esses temas. Os EUA estão na mesma situação, procurando entender como abraçar a agenda climática sem introduzir distorções econômicas e comerciais”, afirma Azevêdo.
Como consultor da Abag, ele diz que tem ajudado nos diálogos do setor agrícola brasileiro com os pares de outros países para identificar quais os desafios, oportunidades e princípios poderiam nortear políticas públicas contra as mudanças climáticas. O objetivo é buscar esse embasamento e que o Brasil tenha um discurso amadurecido na COP-30, que será realizada em Belém (PA) em 2025.
“Daqui até a COP-30, estamos tentando justamente promover esse tipo de discussão, dentro da nossa área de competência, a Abag no setor privado, com outros setores privados de outros países, com outros interlocutores. Quem sabe essa conversa possa desembocar em algum tipo de ação governamental. Talvez do governo brasileiro, talvez de uma coalizão de governos. Não sei, a verdade é que estamos tentando fazer a nossa parte”, afirma. Segundo ele, o setor também conversa com autoridades brasileiras, sobretudo com o Ministério da Agricultura, sobre o tema.
Globo Rural