Fio de luz - Por José Paulo Kupfer
A coisa está feia. A cada semana, vai se desenhando para 2015 um quadro mais nítido de retração do nível de atividades com inflação acima do teto da meta. No Boletim Focus desta semana, as projeções avançaram no terreno negativo, indicando PIB de menos 0,5% e inflação acima de 7,3%, no ano. Também a cada semana crescem as desconfianças de que a equipe econômica não será capaz de entregar, no fim do ano, o prometido superávit fiscal primário de 1,2% do PIB.
O clima ruim é reforçado por um setor externo cambaleante, apesar da tendência de alta do dólar, e de um mercado de trabalho que reflui na direção da informalidade. Isso sem falar também da quase inevitável alta dos juros que, em combinação com a sombra do rebaixamento da nota de risco do País, concorre para aumentar o custo dos financiamentos.
Parece um cenário de fim do mundo. Mas, apesar de tudo, o futuro próximo talvez não se apresente tão sombrio. Se obedece a tendências, a dinâmica econômica não necessariamente evolui em linha reta. O motor da economia roda em ciclos, impulsionado por oportunidades nascidas de crises.
Todo esse quadro de dificuldades já era mais do que conhecido em fins de 2014, quando o BNDES concluiu sua tradicional pesquisa semestral de intenção de investimentos para os quatro anos à frente. Em sua décima oitava edição, o levantamento "Perspectivas do Investimento", referente ao quadriênio 2015-2018, apresenta resultados surpreendentes - um fio de luz num ambiente de trevas (sem trocadilho com a possibilidade real de racionamento de energia).
Em 22 setores pesquisados, abrangendo os grandes setores de indústria, infraestrutura, residências, agricultura e serviços, as intenções de investimento, para este e os próximos três anos, somam R$ 4,1 trilhões, o que significa aumento real de 17% em relação ao quadriênio 2010-2013, representando, em média, expansão de 4,2% ao ano. Somente indústria e infraestrutura declararam intenção de aplicar R$ 1,5 trilhão entre 2015 e 2018, expansão de 23% ante o período 2010-2013.
Melhor do que se poderia esperar, a alta média anual de 4,2% nas intenções de investimento não reflete cenários entusiasmantes. Está, de fato, muito aquém do ritmo exibido entre 2006 e 2010, quando a expansão anual média foi superior a 10%, e também do período seguinte, 2011 a 2014, cujo avanço médio anual chegou a quase 9,5%.
Para os que ainda assim consideram o resultado da pesquisa otimista demais ou mesmo fora da realidade, o economista Fernando Puga, superintendente da área de Pesquisa Econômica do BNDES, exibe o índice nunca inferior a 87% de acerto das edições anteriores do levantamento. "Ocorreu o mesmo fenômeno de descrédito quando a pesquisa de fins de 2008 apontou forte aceleração do investimento no quadriênio 2009-2012", disse Puga à coluna, lembrando que aquele foi o período do auge da grande crise global deflagrada em 2008. "A economia retraiu em 2009 e o investimento retraiu junto, mas acabou subindo mais de 20%, em 2010."
O extremo pessimismo, no espoucar da crise, deu lugar a uma euforia sem medidas na fase de acelerada retomada que se seguiu ao choque. Difícil, contudo, que essa montanha-russa se repita daqui até 2018, até porque não há indicação de recuperação rápida depois dos ajustes de 2015. Na verdade, é possível que, diferentemente daquele período, a economia passe por uma inédita sequência de dois ou até três anos de recessão ou crescimento muito baixo.
Nem por isso os resultados do último "Perspectivas do Investimento" deveriam ser desprezados. Há forte demanda de investimentos em amplos segmentos como infraestrutura e os colapsos das grandes empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, até hoje responsáveis pelos maiores investimentos nessa área, quem sabe não terminem por arejar o ambiente, abrindo oportunidades para novos investidores e empresas.