Maduro se arrisca a perder o bonde da história do óleo na América Latina

Maduro se arrisca a perder o bonde da história do óleo na América Latina

O relaxamento das sanções dos EUA em 2023 permitiu um leve aumento na extração de petróleo, mas novas restrições podem ser impostas se Maduro continuar no poder

A recente instabilidade política na Venezuela, com a indefinição das eleições presidenciais, concretiza mais um capítulo de oportunidades perdidas para o país que tem as maiores reservas de petróleo do mundo.

Dessa vez, a Venezuela deixa de aproveitar um momento em que a indústria global olha com mais atenção para a América do Sul, com novas descobertas e o desenvolvimento de reservas nos vizinhos Brasil, Guiana, Suriname, Argentina e Colômbia.

Para um país que sofre um enorme drama humanitário e emigração em massa, a atração de investimentos estrangeiros e a troca de experiência com os vizinhos nesse momento poderia significar um impulso para reerguer a economia e aliviar a crise.

Mas o que tem acontecido é apenas a perda de mão de obra qualificada nesse setor para os países vizinhos.

É uma crise em curso. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta quinta (15/8), que novas eleições ou até mesmo um governo de coalizão podem ser uma saída, movimento que isola o regime de Nicolás Maduro.

A dependência de capital externo

A indústria venezuelana não deve ver um retorno dos investimentos a menos que ocorra uma normalização da situação política. E a produção e a exploração no país não vão se recuperar sem o apoio das empresas estrangeiras.

O pleito do dia 28 de julho foi a grande esperança nos últimos anos de tentar se reaproximar da normalidade institucional.

Mas, com o atual presidente, Nicolás Maduro, e o candidato da oposição, Edmundo González, tendo se proclamado vencedores, a indefinição política no país continua. Não houve divulgação das atas eleitorais e há indicativos de manipulação eleitoral pelo grupo hoje no poder.

Ainda há apoio interno ao atual presidente, mas é preciso reconhecer que é improvável que a população venezuelana tenha votado a favor da continuação do regime que levou o país a uma grande crise humanitária.

Foi justamente a promessa de realização de eleições livres que levaram os Estados Unidos a concordarem com o relaxamento de sanções ao país em 2023. O movimento marcou o retorno, ainda que modesto, de investimentos de grandes petroleiras e um leve aumento na extração de petróleo e gás.

A liberação do governo Joe Biden permitiu com que a Chevron voltasse a ampliar as atividades no país, por exemplo.

Os EUA, no entanto, já sinalizaram que vão reconhecer o vencimento do candidato da oposição, o que deve levar a novas restrições a negócios com o país caso Maduro siga no poder.

O atual presidente norteamericano, Joe Biden, desistiu de concorrer à reeleição este ano e a vice, Kamala Harris, é a candidata do partido democrata. Seu opositor, o ex-presidente Donald Trump, tem um histórico de críticas e endurecimento de restrições ao regime de Maduro.

Para a indústria do petróleo, o novo capítulo da crise venezuelana ocorre justamente em um momento em que o setor de petróleo volta os olhos para a região.

As majors, maiores petroleiras do mundo, estão ampliando a atuação nos países latinoamericanos.

Segundo dados da S&P Global Commodity Insights, a América Latina respondeu por 40% de todas as descobertas convencionais de petróleo e gás do mundo entre 2020 e 2024.

“Para os produtores internacionais, de fora da América Latina, esta região está ganhando importância no portfólio”, disse a diretora de pesquisa empresarial da consultoria, Claudia Pessagno, em recente evento no Rio de Janeiro.

A baixa capacidade de produção na Venezuela devido à falta de investimentos nos últimos anos dificulta uma retomada mais robusta da produção no curto prazo.

Mesmo assim, num contexto em que Brasil, Argentina, Guiana e Suriname se tornaram uma grande aposta da indústria global, a Venezuela teria a oportunidade de compartilhar experiências e de ajudar os países vizinhos a desenvolverem suas descobertas.

Poderia, ainda, aproveitar oportunidades de colaboração para atrair investimentos. É comum nesse mercado que as parcerias e diálogos entre empresas envolvam uma colaboração mais ampla para mais de uma região.

A estatal venezuelana, a PDVSA, tem experiência e domina a tecnologia de produção de petróleo pesado, de baixo custo.

Também haveria espaço para trocas de experiências, por exemplo, no refino, que é deficitário na região. A capacidade instalada de refino venezuelana chega a 1,3 milhão de barris/dia de petróleo bruto, mas apenas 200 mil barris/dia têm sido processados.

Haverá demanda para o petróleo da Venezuela?

Num contexto de transição energética, a PDVSA poderia inclusive aproveitar eventuais colaborações com outras empresas para começar a pensar sobre o seu papel num futuro com menos investimentos em combustíveis fósseis.

Nada disso, no entanto, vai se concretizar e resultar em desenvolvimento para o povo venezuelano sem que antes ocorra o fim dos impasses políticos.

O tamanho das reservas e a experiência no setor fazem com que a Venezuela nunca possa ser desconsiderada ao discutir o suprimento global de petróleo e gás.

É o país com as maiores reservas de petróleo do mundo, com mais de 300 bilhões de barris em reservas provadas.

A produção do país chegou a ultrapassar a marca de 3 milhões de barris/dia na década de 1990, mas caiu para cerca de 600 mil barris/dia em 2022, com uma leve recuperação para 800 mil barris/dia em 2023.

“Ter petróleo é ter relevância internacional”, lembra o ex-diretor adjunto do Brasil no Banco Interamericano de Desenvolvimento e atual professor de Relações Internacionais do Ibmec, Márcio Sette Fortes.

A profunda turbulência teve início em 2013, com a morte do ex-presidente Hugo Chávez e a chegada ao poder do regime autoritário de Nicolás Maduro. Em 2019, Juan Guaidó se autoproclamou presidente com apoio dos EUA, mas o governo paralelo foi dissolvido.

Hoje, o futuro da política venezuelana também é crucial para outra questão importante ligada à indústria do petróleo na região: a disputa do território Essequibo.

A região é disputada pela Venezuela e Guiana desde o século XIX. As descobertas de petróleo no litoral da Guiana a partir de 2015 reacenderam a reivindicação venezuelana desse território. Com mais de 11 bilhões de barris descobertos, a Guiana é uma grande aposta para o suprimento global nos próximos anos

O Brasil tem a ambição de atuar como mediador na crise venezuelana e chegou a indicar disposição em ampliar a colaboração energética no atual governo Lula. O Ministério de Minas e Energia aprovou este ano pedidos de empresas brasileiras para importar energia elétrica da Venezuela para sistemas isolados no Norte do país.

Mas, para o Brasil, é importante buscar o tom certo no fino equilíbrio entre manter boas relações com o outro lado da fronteira, sem relativizar a importância do bom funcionamento das instituições democráticas.

Há quem acredite que a situação na Venezuela pode se normalizar no médio a longo prazo.

É o caso da Fluxus, do grupo J&F, que mesmo em meio à crise anunciou a intenção de investir no país.

Sette Fortes, do Ibmec, acredita que a dissociação dos temas da política e da economia ajuda a manter empresas no país, com a renovação de licenças sem grandes anúncios. Há interesse tanto de empresas quanto do governo local em manter pelo menos algumas atividades e investimentos em curso.

“A pauta política me parece bastante dissociada da pauta econômica”, diz.

Mas haverá tempo para aproveitar todo esse potencial antes que o mundo comece a reduzir o consumo de petróleo? Há chances de que o “ouro negro” venezuelano fique enterrado para sempre, sem trazer nenhum alívio para a população?

 

Por Gabriela Ruddy
Epbr