Programa abre a possibilidade de serem definidas metas de longo prazo para os biocombustíveis, visando estimular investimentos privados para aumento de eficiência, com consequente redução de custos, e de preços ao consumidor
A Folha de S.Paulo coloca como destaque de sua edição de 12 de março matéria na qual indica que estaria sendo avaliado pelo governo um possível aumento da mistura de etanol na gasolina, do percentual atual de 27% para 40%. Não há nada mais errado do que isso. Esta matéria surge às vésperas da possível edição pelo governo federal de decreto regulamentando o RenovaBio, um programa inovador de indução de aumento de eficiência na produção de biocombustíveis, mas que até agora não cogitou em nenhuma oportunidade ou instância a alteração da mistura de etanol na gasolina.
O RenovaBio abre a possibilidade de serem definidas metas de longo prazo para os biocombustíveis, visando estimular investimentos privados para aumento de eficiência, com consequente redução de custos, e de preços de biocombustíveis pagos pelos consumidores. Os volumes futuros de biocombustíveis estarão diretamente relacionados a essas metas de descarbonização, que ainda deverão ser discutidas e definidas pelo governo. O decreto que deve regulamentar o RenovaBio vai definir os órgãos de governo que ficarão responsáveis pela definição dessas metas de descarbonização, e pela fiscalização do seu cumprimento. Isso deve ser feito em complemento à lei que criou o RenovaBio (Lei 13.576), aprovada na Câmara dos Deputados em 26 de novembro último, no Senado Federal em 12 de dezembro, e sancionada pelo presidente da República em 26 de dezembro. O decreto não deve definir volumes futuros para quaisquer dos biocombustíveis.
A matéria é ainda mais inverossímil ao supor que um decreto poderia alterar uma lei. A mistura de etanol na gasolina é regulada pela Lei 13.033, de 24.09.2014, que define os limites de mistura de etanol na gasolina entre 18% e 27,5%. O percentual de mistura de 27% atualmente em vigor foi definido pela Portaria MAPA No. 75, de 05.03.2015.
A Folha indica que estaria havendo um embate entre a Casa Civil e o Ministério da Fazenda em torno do programa, que visa atender o interesse do setor do etanol, sendo a Casa Civil a favor, e a Fazenda contra. Parece improvável que esse seja o caso. O texto indica também que projeções do Ministério de Minas e Energia e consultorias, sem revelar quais são, indicam que as discussões estariam relacionadas à expansão da oferta de etanol, de 18 bilhões de litros em 2018, para 26 bilhões de litros em 2022, e 31 bilhões de litros em 2030.
Em primeiro lugar, o RenovaBio não trata apenas do biocombustível etanol. É um plano moderno e inovador que regula o mercado de biocombustíveis em geral, etanol, biodiesel, biogás e biometano e bioquerosene. Em segundo lugar, a produção de etanol em 2017 foi de 27,9 bilhões de litros, e em 2018 está estimada em 28,5 bilhões de litros. Inclusive, a produção já atingiu o volume de 30,4 bilhões de litros na safra 2015/16. Portanto, indicar que está havendo um embate dentro do governo para a elevação do teor de mistura de etanol de 27% para 40%, para aumentar a oferta de etanol de 18 para 26 bilhões de litros em 2022, e 31 bilhões de litros em 2030 parece, no mínimo, estranho.
A realidade é que o decreto que eventualmente será promulgado regulamentando o RenovaBio não deve definir nenhuma meta volumétrica, e sim apenas estabelecer as instâncias de governo que ficarão responsáveis pela definição das metas de descarbonização, e demais ações de governo definidas em lei. É inclusive esperado, e desejável, que estas metas sejam definidas em harmonia entre os biocombustíveis e os combustíveis de origem fóssil.
Com o RenovaBio, pela primeira vez em toda a história do desenvolvimento dos biocombustíveis no Brasil, iniciada em 1927 com a produção e venda de etanol pela Usina Serra Grande em Alagoas, e posteriormente intensificada com o extinto Programa Nacional do Álcool de 1975, os biocombustíveis passam a ter a perspectiva de uma referência futura sobre o tamanho do mercado à frente, mas que ainda precisará ser definido.
Com o RenovaBio haverá a introdução de critérios de meritocracia e de reconhecimento da eficiência energética e ambiental dos produtores. É esperado que esse reconhecimento estimule novos investimentos em melhorias e aumento de produtividade, aproveitando o enorme estoque de inovações disponível, reduzindo o custo de produção, e consequentemente o preço dos combustíveis utilizados no País.
O RenovaBio foi concebido no âmbito do governo, com ampla participação da sociedade civil e de todos os setores econômicos envolvidos. Foi submetido a consulta pública, teve suas diretrizes aprovadas pelo Conselho Nacional de Política Energética, foi apresentado como proposta de projeto de lei pelo Deputado Evandro Gussi (PV-SP), foi aprovado na Câmara em votação expressiva de 299 votos a favor e apenas 9 contra, foi aprovado no Senado Federal por aclamação, e foi sancionado pelo presidente Temer em dezembro último.
O RenovaBio está alinhado com o que há de mais moderno no mundo em termos de precificação do carbono em mercado e de regulação indutora, não intervencionista, dos agentes privados na direção da expansão do uso da bioenergia e dos biocombustíveis, ações fundamentais para que seja atingida a meta de limitar o aquecimento global a 2 graus Celsius, até 2050. O mundo espera esse protagonismo do Brasil.
O governo federal acerta, e dá um sinal de coesão muito forte ao aprovar e estimular os avanços preconizados pelo RenovaBio, dentro de uma visão integrada para as políticas públicas de energia, meio ambiente, indústria, agricultura, e desenvolvimento social, econômico e regional. O uso dos biocombustíveis produzidos de forma sustentável e eficiente dará longevidade para o aproveitamento de nossas valiosas reservas de petróleo.
*Artigo extraído do portal da consultoria Datagro. (12/03)
Plínio Nastari é representante da Sociedade Civil no CNPE, Conselho Nacional de Política Energética